A imprensa anticolonial e a imprensa de exílio têm merecido crescente atenção multidisciplinar, sobretudo no que respeita o século 20, na procura de entender designadamente o seu papel político e impacto intelectual, assim como as redes que espelhavam e mobilizavam. A propósito das últimas, são exemplo significativo as investigações em torno das confluências transnacionais e transimperiais de exilados e outros migrantes, tais como estudantes, escritores, artistas, para metrópoles de efervescência democratizadora e vanguardista, como Londres Paris ou Berlim do pós-I Guerra Mundial, e a sua ligação à proliferação de jornais, revistas, boletins, panfletos, que alimentaram militâncias (inter)nacionalistas e interligaram debates e combates.
Podendo encontrar-se no mesmo periódico, as categorizações imprensa anticolonial e imprensa de exílio, naturalmente não se sobrepõem. A questão colonial foi uma entre outras motivações para exílios e para a criação de periódicos nessa situação. Por seu turno, a imprensa anticolonial floresceu dentro e fora dos impérios de origem, em condições de legalidade ou clandestinidade. Une-as, no entanto, a estreita ligação dos lugares de publicação às condições políticas para o exercício da liberdade de expressão e de militância. Por outras palavras, se a imprensa de exílio convoca a falta de liberdade política, a imprensa anticolonial emerge em condições políticas variadas que condicionam o seu perfil e lugares de publicação, incluindo os lugares de exílio. No que respeita a ideia e as vivências de exílio e a sua expressão na imprensa, cabe qualquer caso discutir a liminaridade das experiências de ocupação, de dissidência, de clandestinidade e de desterro, em relação ao expatriamento político, tanto pelas similitudes do seu impacto psicológico quanto pelos trânsitos que tenderam a fomentar.
O fim da Segunda Guerra Mundial criou a esperança de afirmação da ordem democrática e do direito à autodeterminação dos povos, com a inevitável queda dos impérios coloniais europeus. As décadas sequentes assistiram ao alastramento das lutas e solidariedades anticoloniais, num ambiente internacionalmente marcado pela política de blocos à qual o movimento dos Não-Alinhados sequente a Bandung opôs a ideia de libertação do colonialismo e da predeterminação das opções do chamado “terceiro mundo”. Nesse quadro geopolítico, tornou-se expectável que os países do bloco “ocidental” alinhassem com os valores das democracias liberais e do capitalismo e que, cedo ou tarde, reconhecessem na prática política o princípio da autodeterminação.
Em contracorrente tolerada pelos aliados devido às próprias circunstâncias da Guerra Fria, as ditaduras portuguesa e espanhola sobreviveram apesar da crescente oposição interna, e sobretudo a primeira recusou-se a discutir a descolonização. Contra as evidências, o salazarismo alimentou a tese segundo a qual Portugal, guiado pelos valores católicos, ao fazer prevalecer historicamente o princípio da igualdade assimiladora criara a situação única de uma nação e um estado pluricontinentais, unidade que nenhum dos povos envolvidos queria desfazer. Do ponto de vista do Estado português, o problema colonial não existia e os movimentos que o reivindicassem posicionavam-se contra a vontade dos povos, podendo quaisquer insurgências ser apelidadas de terroristas. A longa sobrevivência da ditadura portuguesa e a sua recusa em reconhecer o problema colonial justificaram a radicalização da militância, consequência da consciencialização que vinha tomando forma, após a II Guerra Mundial. No que respeita o caso de Goa, intensificou-se a militância dos goeses que se colocavam no campo anticolonial e abriu-se um conflito diplomático entre Portugal e a Índia, que a tomada de Goa pelas tropas indianas em Dezembro de 1961 esteve longe de resolver, antes arrastou-se até 1974. Igualmente em 1961, diversas insurreições iniciaram as frentes de guerra nas colónias africanas. Adensaram-se, simultaneamente, as ondas de exílio que as políticas repressivas da ditadura vinham impulsionando desde 1926. As ideias de liberdade e de libertação são comuns a estes exilados, quer fossem sobretudo opositores à ditadura, quer visassem o fim do colonialismo, quer interligassem ambas causas.
Ao eleger como principal foco a questão colonial na imprensa de exílio publicada desde o fim da Segunda Guerra, o congresso estabelece pela primeira vez uma ponte entre os combates contra a ditadura e pelo fim do colonialismo nestes periódicos. Visa-se incentivar estudos que explorem as ideias, imagens e debates em torno do colonialismo e das realidades coloniais, no quadro dos encontros e desencontros que marcaram a diversidade destes periódicos. Este foco reabre a discussão do conceito de imprensa colonial que o grupo que vem propondo (https://www.gieipc-ip.org/sobre-a-imprensa-perioacutedica-colonial.html), agora centrada na imprensa de exílio. No que respeita o antigo império português, sublinha-se mesmo que as histórias da imprensa, desde os primeiros impulsos, não podem prescindir do conhecimento dos periódicos dos exílios e do lugar que os debates coloniais neles ocuparam, como a criação em Londres do Correio Braziliense comprova ao inaugurar a imprensa de exílio em língua portuguesa (https://expoimprensacolonial.fcsh.unl.pt/br.html ). As suas histórias acompanham as flutuações que a liberdade de expressão e de militância sofreram ao longo dos sucessivos regimes desde a monarquia absoluta. Testemunham, igualmente, a dificuldade estrutural dos sucessivos poderes em aceitar a livre discussão em torno do fim do império. Por fim, na esteira das propostas do GIEIPC-IP, o Congresso propõe um entendimento alargado de imprensa periódica, deslocando o foco do impresso para a periodicidade, para os formatos associados à imprensa periódica e para a busca de público(s) leitores. Significa que alberga estudos sobre periódicos que circularam com recurso a tecnologias e formas diversos, considerando significativas as circunstâncias que motivaram o uso desses recursos. Concretamente, periódicos manuscritos ou datilografados, reproduzidos pelo mesmo meio ou através de estêncil com ou sem recurso a mimeógrafos, ou ainda fotocópia, ocasionalmente incluindo o recurso a colagens de imagens ou textos impressos. Aceda à chamada para comunicações no blog Home.
Promotores | Promoters
O CHAM - Centro de Humanidades é financiado pela Fundação para Ciência e a Tecnologia, I. P. | UID/HIS/04666/2013, UID/HIS/04666/2019, UIDB/04666/2020 e UIDP/04666/2020
Parceiros | Partners
O IHC é financiado por fundos nacionais através da FCT — Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito dos projectos UIDB/04209/2020, UIDP/04209/2020 e LA/P/0132/2020